domingo, 4 de novembro de 2012

Justiça e Liberdade Comunicativa. Reflexões em conexão com Hegel.


O resumo abaixo é apenas uma primeira leitura do texto, sujeita à revisão mediante o debate.

HONNETH, Axel. Justicia e Libertad Comunicativa. Reflexiones en conexión con Hegel. In. Crítica del Agravio Moral: patologias de la sociedad contemporânea. Buenos Aires: Faculdade Autonoma Metropolitana, 2009, p. 225-248.

Honneth inicia o texto afirmando que se consolidou no âmbito das teorias da justiça social ou da filosofia política duas posições metodológicas: 

- A. Quanto ao procedimento de fundamentação: a instância de justificação normativa é determinada por um procedimento deliberativo em que os participantes se põem em uma situação real ou fictícia, sob condições de imparcialidade, para determinar os princípios de justiça que irão reger as situações futuras de cooperação.  A imparcialidade do procedimento garantirá que os resultados obtidos sejam aceitáveis como regra a ser invocada por todos os membros da sociedade.

- B. Quanto ao objeto central de Justiça: o procedimento toma por objetivo determinar quais seriam os princípios de justiça para sujeitos que tem como principal interesse a realização dos seus planos de vida da maneira mais autônoma possível. Isso conduz ao entendimento de que a essência da justiça é o gozo de uma liberdade subjetiva mínima e igualmente compartilhada por todos os sujeitos. A justiça social então seriam uma facilitadora igualitária da autonomia individual.

Até aqui pode-se entender claramente que Honneth está lidando com o contexto contemporâneos da teorias da justiça. Primeiro ele está se referindo claramente à Rawls. Além disso, ele mesmo destaca que está lidando com o debate liberalismo/comunitarismo.

Honneth entende que essa concepção hegemônica (liberalismo igualitário, embora ele não o diga expressamente) expressa nesses conceitos fundamentais (procedimento e autonomia individual) diz muito pouco sobre como pode ser garantido a todos os integrantes de uma sociedade a realização da sua liberdade individual. 

Segundo Honneth, algumas premissas tomada como fatos naturais estão implícitas no liberalismo igualitário influenciando, assim, formatação do procedimento de justificação dos princípios de justiça: 

A. A pressuposição de que os atores sociais para realizar suas metas individuais, seus planos de vida, dependem essencialmente dos meios para tal. Meios aqui como instrumentos, bens, objetos capazes de proporcionar a realização dos planos de vida. 

B. Um conceito individualista de liberdade subjetiva: segundo o qual o exercício da liberdade individual tem de depender cada vez menos da interação com os demais participantes da sociedade, ou, pelo menos, ser cada vez menos restringido pela ação dos demais participantes da sociedade.

No entendimento de Honneth esses dois posicionamentos são incapazes ou não representam a melhor forma de conceber a justiça social. Antes de problematizar os pontos acima, Honneth propõe:

1. Analisar o que mudaria na deliberação fictícia ou real se os participantes desejassem guiar-se por um conceito de liberdade individual que não fosse individualista mas comunicativo?

2. Que princípios de justiça poderiam resultar dessa remodelagem?

De maneira clara Honneth enuncia a tese que pretende defender à luz desses dois questionamentos, 

"(...) a suposição de que nesta modificação da situação inicial mudaria a concepção prevalecente de justiça social não apenas em alguns detalhes, mas, sim, em sua composição inteira: as pessoas deliberantes calculariam suas futuras oportunidades de vida não dentro do marco dos espaços disponíveis individualmente, mas as mediriam pela qualidade das relações sociais a esperar; por consequência, sua ideia de justiça social se transladaria do nível dos bens garantidores da liberdade até o nível das mutualidades vinculantes." (grifo nosso, p. 227).

Podemos então notar que para Honneth, o individualismo metodológico é insuficiente. Porém, não a autonomia individual. A justiça social deve preocupar-se antes com a qualidade das relações sociais do que com a distribuição de bens para a realização dos planos de vida. Honneth não está dizendo que o acesso aos bens ou uma distribuição igualitária de bens não é objeto da justiça. Pelo exposto até aqui, ele está apenas se perguntando se o objeto da justiça social não deveria ser a qualidade das relações sociais e não apenas uma distribuição de bens para a realização instrumental dos planos de vida. 

Para dar sustentação ao seu argumento, Honneth estabelece as seguintes etapas:

1. Retomando Hegel, traça um esboço daquelas que seriam as instituições que se ligam mais a um conceito intersubjetivo de liberdade individual. 

2. Exposição das consquencias no âmbito da fundamentação quando se parte de uma conceito comunicativo, intersubjetivista, de liberdade no lugar de um individualista.

3. Demonstrar em que sentido a concepção de justiça que nós temos seria diferente se fosse concebida não como uma facilitadora de uma forma individualista de liberdade, mas de uma forma comunicativa de liberdade. Dessa feita, pretende apontar as implicações na mudança de paradigma: da distribuição igualitária de bens para o reforço da mutualidades.

4. Apontar as consquencias que resulta da mudança de paradigma: a proposta de como compreender que para atender o critério de que o justo é aquilo que beneficia no mesmo grau de liberdade comunicativa dos sujeitos necessário se faz uma pluralização de nossos princípios de justiça, porque estes tenderão a corresponder as particularidades das respectivas relações de comunicação. (grifo nosso).

No que segue tentaremos sintetizar os argumentos de Honneth em cada uma das etapas acima.

Para (1) - Crítica da liberdade subjetiva individualista a partir do reconhecimento como elementos intersubjetivo fundador da liberdade.

A modernidade entendeu que para realizar as exigências da justiça é necessário, num ambiente de pluralidade de metas de vida, permitir ao individuo o máximo de possibilidades de realização de suas metas. Assim, a primeira conclusão normativa foi a de que a liberdade pessoal deve ser media pelo grau de não impedimento da ação de um sujeito na realização de suas metas de vida: "as margens de ação que o ator dispõe para guiar-se por suas preferências são tanto maiores quanto menores forem os impedimentos e restrições que os outros indivíduos venham a lhe impor" (p. 229).

Embora Honneth não diga claramente nessa etapa, a consequencia desse entendimento normativo é fixar, com a ajuda do direito, as margens garantidas pelo Estado em que nem este, nem os demais sujeitos, podem violar no que tange às preferências e metas individuais. Assim, a primeira preocupação das teorias da justiça passa a ser a fixação dos direitos que cada um dos indivíduos tem para poder exercer livre de impedimentos sua liberdade subjetiva individualista.

Todavia nessa visão normativa há um componente excedente de significado trazido à tona por Honneth como uma estrutura implícita à pressuposição normativa do individualismo acima exposto: nessa visão o indivíduo é "exposto como independente de suas contrapartes de interação na realização de sua liberdade" (p.229). Embora não seja automaticamente solipcisita, Honneth argumenta que nessa visão predominou o entendimento de que as vinculações empíricas são, em geral, impedimentos à liberdade.

A partir do conceito individualista de autonomia, as teorias da justiça passam a assumir que: 

a. a criação de condições sociais justas permitirá a realização dos planos de vida de cada um dos indivíduos independentemente dos demais; 

b. a ideia de que a quantidade de bens aumenta a liberdade individual, levando ao isolamento conceitual do sujeito individual.

c. a ideia de que comunidades não eleitas representam uma ameaça ao indivíduo. 

Honneth passa a fazer uma crítica dessas pressuposições a partir de Hegel. A autonomia individual é importante sim. Porém, a ideia de que a liberdade é uma margem de ação discricionária, em que o individuo pode se mover sem impedimentos, "livremente" é uma abstração que encobre o verdadeiro fundamento da liberdade, uma forma de comunicação intersubjetiva. As margens de liberdade não são determinadas por uma justa distribuição de liberdades subjetivas, mas por uma circunstância de reconhecimento entre sujeitos que se consideram livres e iguais. 

No fundamento das liberdades subjetivas não está uma calibração de direitos feita para possibilitar a ação independente de restrição por parte dos outro, mas uma interação entre dois ou mais sujeitos que se reconhecem como livres e iguais. O direito, ao contrário de suas tentativas de fundamentação abstrata, revela por fundamento um carácter relacional e intersubjetivo. As liberdades que ele expressa são fruto de uma forma de comunicação intersubjetiva humana fundada no reconhecimento recíproco. 

O conceito de reconhecimento passa a ser a chave para a critica da autonomia fundada no individualismo em que "realizar a liberdade significa conseguir um aumento do poder de ação ao incrementar-se o conhecimento das faculdades e necessidades próprias mediante a confirmação por parte do outro" (p. 231).

As relações intersubjetivas não representam um obstáculo para a realização da liberdade individual, mas, sim, uma condição da liberdade subjetiva: "o individuo é capaz de realizar a autonomia apenas na medida em que mantenha relação com outros sujeitos, os quais por sua vez possibilitam um reconhecimento recíproco de sua personalidade" (p.231).

Aclarando que o fundamento dos direitos dos indivíduos é o reconhecimento duas críticas podem ser feitas:

1. A própria definição dos direitos individuais é dependente da rede de interações intersubjetivas de reconhecimento recíproco.

2. Os direitos jurídicos são apenas uma parte desse reconhecimento que se estabelece no âmbito social para muito mais do que as relações jurídicas entre os indivíduos e indivíduos e Estado. Ou seja, existem outras formas de mutualidades vinculantes. 

Para (2) - Crítica do procedimento de fundamentação baseado no contratualismo.

Na base das teorias contratualista incide a crítica de (1) qual seja: conceber o individuo participante do contrato como um indivíduo isolado. Honneth nessa parte retoma Hegel no sentido de demonstrar que as teorias contratualistas contradizem nossas intuições básicas quando olhamos para as pressupostas coordenadas da situação inicial de deliberação.

Honneth argumenta que o experimento mental de uma deliberação semelhante a um contrato social só pode cumprir com os seus objetivos normativos se para todos os interessados for previsto uma situação de imparcialidade. Essa situação de imparcialidade é garantida pelo bloqueio posto pelo teórico aos sujeitos que passam a não saber em que posição poderão se encontrar na sociedade o que implica o desconhecimento dos talentos e posições presentes e futuras que poderão ter na elaboração e aplicação do contrato. Com base nisso eles devem exercitar sua racionalidade instrumental por meio de um cálculo de prudência onde escolhem os princípios de justiça que serão mais vantajosos para realização de seus planos de vida. 

Na percepção de Honneth, a partir do reconhecimento não se pode falar nessa situação inicial de imparcialidade, uma vez que os participantes da situação ideal de deliberação tem de ter um conhecimento elementar de suas necessidades de reconhecimento para poderem ser, inclusive, qualificados como seres humanos. 

Ainda que o procedimento pretenda uma total neutralidade, ele não pode ignorar, afirma Honneth, os pressupostos do que se deve considerar como uma característica definidora da pessoa humana: o reconhecimento.

Honneth entende que, ao contrário do individualismo liberal, os sujeitos que adentram a situação de deliberação não podem abrir mão do reconhecimento como elemento antropológico fundamental para as demais interações. Ele está afirmando que, ao contrário do que liberal diria, o individuo não está plenamente constituído como um átomo isolado dos demais participantes. Sendo assim, antes de se perguntar sobre quais direitos pretende usufruir ou quais bens pretende ter acesso ele se indaga sobre as possibilidades de ser reconhecido pelo os demais membros da interação. Ao nosso ver, Honneth está dizendo que existem perguntais ainda mais fundamentais do ponto de vista antropológico que mesmo a máxima neutralidade do experimento mental da situação ideal de deliberação não pode anular. 

De posso dessas indagações, há consequencias sobre que princípios de justiça seriam escolhidos pelas partes. Ao invés de optarem pela distribuição de direitos e bens as partes iriam antes de mais nada privilegiar a proteção às formas de reconhecimento que entendem necessárias socialmente. Para Honneth a pretensão de reconhecimento recíproco está tão ancorada em nossa praxis social que pouco plausível não fazê-la necessária também nos procedimentos garantidores da justiça na situação ideal de deliberação. 

Em nosso entendimento, a crítica que Honneth aponta em relação ao procedimento de fundamentação não é, em si, uma crítica ao device justificatório, mas, antes, a uma parte dele que é a pretensão de imparcialidade que ele afirma ter. Todavia, até mesmo em relação a este aspecto, ele não está negando que o procedimento foi imparcial, mas que os resultados desse device são remodelados a medida em que os participantes sabem que é mais fundamental do que distribuir bens ou direitos garantir o reconhecimento recíproco. 

É como se Honneth estivesse apenas dizendo que ao celebrar um contrato, antes de peguntarmos sobre o objeto do contrato, temos de nos perguntar sobre a capacidade das partes em contratar. Quando fazemos isso, iremos ver que é importante garantir iguais condições de contratação. Essas iguais condições de contratação envolvem uma série de capacidades e necessidades que são anteriores ao próprio contrato e estão inseridas no âmbito de uma série de práticas sociais de reconhecimento.

Para (3) - Qual é o objeto da justiça? As relações de comunicativas de reconhecimento. 

Uma vez que a experiência do reconhecimento é o elemento fundador da liberdade, é preciso assegurá-la, pois: "a liberdade pessoal dos indivíduos é assegurada e fomentada na medida em que este dispõe de esferas comunicativas de auto-realização nas quais podem alcançar um maior poder de ação mediante reconhecimento recíproco".

De maneira sucinta Honneth argumenta que o reconhecimento é uma categoria central para entender e realizar a justiça. Ele está presente (p. 236): 

(a) Nas experiências históricas e sociológicas. Genocídio, Massacres étnicos, testemunho dos movimentos sociais.

(b) Na moral. Por meio do sentimento de injustiça ao não ser reconhecido em suas capacidades e necessidades.

(c) No desenvolvimento psicológico e na psicanálise, que veem no reconhecimento um elemento fundamental da aquisição de autonomia individual. 


De posse desse diagnóstico que sabemos estar expresso ao longo de outras obras (A luta pelo reconhecimento, principalmente), Honneth propõe uma mudança de paradigma para as teorias da justiça: ao invés de centrar nas liberdades subjetivas de ação, o objeto da justiça deve ser as esferas de comunicação sociais (p.236).  Isto é, as esferas de reconhecimento recíproco. 

A partir desse paradigma, as liberdades jurídicas são apenas uma forma de reconhecimento dentre outras. Não representam uma forma de agir discricionário, mas, antes, são resultado da interação recíproca entre sujeitos que se reconhecem como livres e iguais. 

Com isso se vê que: 

"sobe a perspectiva em que devem se garantir a autonomia individual de todos os integrantes da sociedade por igual, a estrutura e qualidade das relações sociais de reconhecimento constituem o campo de aplicação central dos princípios da justiça" (p. 237). 

Entretanto, Honneth chama atenção para o fato de que tal pressuposição normativa exige que se esclareça a qualidade, natureza, status, de tais relações de reconhecimento. As relações de reconhecimento não são meras interações arbitrárias ou contingentes entre os indivíduos. Honneth entende que se deve buscar no reconhecimento 

"um padrão de comunicação com relativa estabilidade que facilite aos participantes de maneira recíproca uma experiência de reconhecimento de determinadas capacidades e necessidades. Este padrão só é possível se os participantes se orientam em comum por normas morais cuja validade os estimula a respeitar e fomentar no respectivo outro os correspondentes traços de personalidade" (p. 237)

Na proposta de Honneth as relações de reconhecimento são formas de reciprocidade vinculantes nas quais os deveres perderam seu caráter restritivo proibitivo para converter-se em elementos naturais de uma práxis de ação exercitada habitualmente (p.237).

Confesso que entendo essa proposição como obscura e ambígua. Posso ver que Honneth está tentando mapear as estruturas mais profundas das relações sociais que estão inscritas nas prática cotidiana da interação recíproca proporcionada pelo reconhecimento. Mas não está clara como se dá essa passagem dos deveres negativos para os deveres constitutivos das relações de reconhecimento. Também não está claro como se olha para a praxis social em sua identificação. Como entender que ela as práticas consolidadas de reconhecimento não podem ser elas mesmas frutos de práticas de dominação não tematizadas que acabam por ser incorporadas num trato comunicativo distorcido?

Mas para além dessas dúvidas que podem ser esclarecidas com a leitura de outros textos, continuemos.

Honneth dá como exemplo desse tipo de relação a amizade. Segundo ele, uma relação de amizade revela o exercício comum de uma prática recíproca de reconhecimento. A amizade é mediada por normas morais que estimulam a ambos a promover o bem estar do respectivo outro. A Amizade é forma de mutualidade vinculante que proporciona uma experiência recíproca de reconhecimento porque os amigos podem ver supridas suas necessidades e desejos de uma maneira tal que a nível individual lhes prove um nível maior de poder de ação (p. 238).

Aqui faço outra observação, esse ponto é problemático ou merece ser problematizado: 1. Noção de amizade aristotélica? 2. Quais são os desejos necessidades que se veem supridos reciprocamente? 3.Tal satisfação se dá apenas mediante o reconhecimento? 4. O que significa ampliar no nível individual o poder de ação?

Em conclusão a este ponto, Honneth levanta como tais relações de reconhecimento podem ser objetos da teoria da justiça. Contemporaneamente dirigimos nossas demandas de justiça para o Estado. No âmbito do Estado democrático de direito, sua tarefa pode ser, ao invés apenas do asseguramento da igual liberdade de ação subjetiva, a proteção e fomento de relações intersubjetivas das mutualidades vinculantes. Isto é, o fomento e proteção das relações de reconhecimento recíproco.

Para (4) - O pluralismo interdependente do reconhecimento.

Honneth sugere ficarmos apenas com a metodologia hegeliana, abandonando os aspectos metafísicos da filosofia do espírito. Honneth entende como importante para a sua teoria a proposta de conectar as esferas de reconhecimento que podem ser compreendidas como constitutivas para as formas atuais de integração social.

O primeiro passo nesse intento é reconhecer uma certa concepção de progresso. Olhando para Filosofia do Direito de Hegel, Honneth extrai como ideia fundamental:

“a essência do que constitui a autonomia do indivíduo não é, por si mesma, algo que está dado de uma vez por todas, mas que se encontra sujeita as mudanças históricas; pois entre os graus  de diferenciação da sociedade e a liberdade individual existe uma relação de condicionamento, na medida da divisão em âmbitos de funções sociais aumentam também as dimensões em que o individuo aprende a perceber em si mesmo as dimensões da autorrealização”.

Com isso Honneth quer dizer que existem esferas distintas de reconhecimento recíproco que são determinadas pelo grau de complexidade em que se encontra a sociedade em que vive o indivíduo.

Dessa feita, uma teoria da justiça deveria garantir a existência daquelas relações de reconhecimento que permitem aos indivíduos alcançar, nas respectivas condições sociais dadas, um máximo de autonomia individual na forma de mutualidades vinculantes (p. 240).

Tal formulação, apesar suas pretensões não idealistas, não prescinde, segundo Honneth, da ideia de progresso, pois:

“porque as relações de reconhecimento duradouras e, por assim dizer, institucionalizadas, que impregnam a ordem social atual, não podem compreender-se justificadamente como magnitudes de referencia de uma teoria reformulada da justiça senão se consideradas como superiores em termos morais às formas de reconhecimento anteriores”.

Assim, as forma de reconhecimento institucionalizadas para Honneth são superiores às formas de reconhecimento não institucionalizadas. Mas não está claro o que é uma forma de reconhecimento institucionalizada. O que é o institucionalizado? Uma prática social estável e contínua? A migração dessas práticas para as instituições?

Honneth diz que sem esse sentido de progresso sua teoria cometeria dois equívocos: 1. Haveria o risco de converter a respectiva ordem de reconhecimento em um fato moral; 2. A investigação das esferas comunicativas que devem ser objeto da teoria da justiça se restringiria a ordem social existente de maneira meramente empírica.

Com isso temos o seguinte, ao meu ver: Honneth quer acentuar que o objeto da teoria da justiça segundo o paradigma do reconhecimento são as estruturas normativas fundamentais necessárias à autorrealização do indivíduo. Tais estruturas devem ser objeto da teoria da justiça mesmo que não estejam presentes em um dado contexto concreto. Isso porque não se trata apenas de um fomento ou proteção daqueles elementos meramente consolidados de maneira positiva numa dada comunidade.

Esclareço. Não é objeto da teoria da justiça, nesse caso, a mera justificação da realidade fática estabelecida positivamente do ponto de visa sociológico. As estruturas do reconhecimento devem ser fomentadas e protegidas mesmo quando não presentes em uma dada comunidade específica. Esse é o elemento potencialmente crítico dela. Se as estruturas do reconhecimento fossem apenas aquelas que são dadas em uma dada comunidade, haveria apenas a justificação dos contextos locais. Agora, Honneth só pode manter esse ponto de vista crítico porque seu mepeamento das estruturas fundamentais do reconhecimento são fortemente apoiadas numa antropologia universal que vê uma série de elementos necessários à realização de uma vida boa, assim como é reconstruída à luz dos elementos históricos presentes no desenvolvimento da modernidade.

Por outro lado, acho que seria melhor afirmar que sua teoria não pode prescindir de um caráter dinâmico/imanente. Entendo que Honneth quer dizer que as estruturas do reconhecimento podem ser mudadas ou forçadas a mudar em conformidade com as novas exigências para a realização da liberdade individual formatadas pelas novas condições sociais. Esse seria o lado dinâmico que uma teoria do reconhecimento não poderia deixar de ter. Pelo aspecto da imanência, com essa passagem Honneth está nos dizendo que as rastrear aquelas que seriam as estruturas básicas do reconhecimento a serem reconhecidas por uma teoria da justiça implica em afirmar que é necessário reconstruir quais seriam as pressuposições normativas mais elementares das estruturas básicas do reconhecimento mesmo quando estas não estão positivamente institucionalizadas numa sociedade.

Por último, reconhecer as institucionalizadas como superiores se liga duplamente as estas duas características. Pelo lado da dinâmica o estágio atual é um estágio de superação do anterior, mas que pode ser, imanentemente superado por outro estágio ou, melhor do que superação, conduzir a uma outra necessidade de reconhecimento. Essa superioridade do estágio atual é, no fim, um ponto de vista em que se pode ver o desenvolvimento das estruturas básicas do reconhecimento.  


Aproximando-se da conclusão, Honneth formula sua concepção de justiça:

1.    Existem pelos menos três esferas de reconhecimento (mutualidades): esfera da amizade e amor; esfera do direito; esfera do trabalho/estima social.
2.    Uma teoria da justiça tem de levar em conta as normatividades internas de cada esfera, sendo uma facilitadora da participação social em tais âmbitos.
3.    Para contemplar todos estes âmbitos não basta apenas um princípio igualitário distributivo.
4.    O princípio que emerge é um que estabelece que a autonomia individual deve ser realizada nos três âmbitos sendo cada um deles um facilitador interdependente do outro.
5.    Honneth propõe que em cada âmbito haja um princípio que os três, pelo menos, sejam unidas naquilo que for necessário à ampliação da autonomia individual compreendida intersubjetivamente por meio do reconhecimento.

Por último assinala que não se trata apenas de preservar a autonomia de cada uma das esferas, protegendo-as da ingerência da outra. Isso seria apenas uma tarefa conservadora em sua visão.

Antes essa concepção deve sempre ser guiada por um sentido reformista que olha para um futuro que pode ser realizado com o melhoramento das condições atuais.

Isso porque todos os princípios possíveis de serem estabelecidos possuem tanto um (1) excedente de validade, no meu entendimento ver uma capacidade de projetar idealidades capazes de serem apropriadas pelos indivíduos em seus contextos, (2) excedentes semânticos, fundamentando cada vez mais as exigências por justiça em nome a autonomia individual.

Quanto a este último aspecto, arrisco a dizer, trata-se da tensão entre faticidade e validade exposta por Habermas agora pincelada no paradigma do reconhecimento.

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