segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Notas sobre a possibilidade de uma Teoria Crítica da Moralidade da Guerra.

Algumas notas sobre a possibilidade de uma abordagem Teórico-Crítica da Teoria da Guerra Justa a partir do texto de Seth Lazar e Laura Valentini Proxy Battles in Ethics of War (draft, 30 September 2014).

* (As considerações abaixo são apenas reflexões que divido com os colegas. Como notas podem não conter toda uma explicação de todos os pontos do texto lido, bem como podem não conter todos os elementos necessários para concretizar o programa proposto de uma abordagem teórico crítica da TGJ. Divido com os colegas tanto para fomentar o debate quanto para buscar sugestões, comentários e promover o dabate da moralidade da guerra no Brasil.)


Didático, informativo e claro. Seth Lazar e Laura Valentini formatam o frame em que a Teoria da Geurra Justa deve se mover se quiser superar os impasses do seu atual estágio, segundo ele, de uma "proxy battle". Escolhem como ponto controverso e fio condutor duas de três questões fundamentais para a TGJ que se ligam ao jus in bellum (direito da guerra): a igualdade moral entre combatentes e a imunidade dos não combatentes. Esses dois pontos dividem abordagens "Ortodoxas" que entendem que os combatentes não são moralmente iguais, não podendo ser atribuída responsabilidade a um dos lados em combate, sendo lícito, para ambos lados, matar. Os combatentes teriam permissão para matar independentemente ou não da justiça de sua causa. O mais proeminente defensor desssa possição é Michal Walzer.

Do outro lado estão as abordagens "Revisionistas" que entende ser moralmente falsa a igualdade moral dos combatentes. A moralidade do combate depende da justiça da guerra sendo moralmente falso pensar que ambos os lados estão igualmente permitidos matar, pois um deles pode travar a guerra de maneira injusta. A questão da imunidade dos não combatentes segue o mesmo raciocínio. Para a abordagem Ortodoxa, o não combatente não pode ser morto porque não é responsável pela guerra, seja ela justa ou injusta, não sendo partícipe não renunciou ao seu direito à vida. Já para as abordagens Revisionistas, não se poderia falar, pelo menos, de uma absoluta inviolabilidade do não combatente, pois é plausível pensar que existam guerras em que civis não combatentes contribuem para guerra de maneira ativa e influente. Sendo um dos lados justos e outro não, em tese, o civil não combatente que contribui para uma causa injusta poderia ser responsável pela ação injusta na gurra, sendo, assim, liable to be killed

Para Seth Lazar e Laura Vallentini os dois lados se encontram em uma proxy battle. Pesquisando o termo proxy battle encontrei a seguinte explicação. Imagine que existe uma empresa e que seus acionistas querem que ela tome posição x ou y, mas, seus administradores, gerentes, executivos, etc., não desejam a mesma coisa. A proxy battle passa a ser uma série de rodadas adversariais em que os acionistas irão tentar fazer com que a empresa que eles controlam, mas não administram, passe a atuar em conformidade com a sua vontade e não com a dos executivos. No caso da TGJ o que temos é um cenário em que dois grupos tentam controlar os rumos da TGJ. Cada um com seus startpoints, mas sem dialogar. Como essa descrição da TGJ entendo que Seth Lazar e Laura Valentini querem: i. ao mesmo tempo explicitar quais são as divergências de fundo que levam à proxy battle  quanto ii. colocar as partes na mesa para dialogar e resolver os problemas de fundo da TGJ que infuenciam nas divergências sobre os princípios acima. Seth Lazar e Laura Valentini estão preocupados, entendo, com os rumos cognitivos da TGJ. Se o campo quiser avançar as divergências de fundo precisam ser explicitadas de forma que um novo round de estudos se estabeleça. Nesse aspecto, Seth Lazar e Laura Valentini estariam nos dizendo que o "esgotamento" da TGJ no debate atual estaria fadado à esterilidade a menos que ela passe a considerar os start points de seus propositores?

Duas questões então se tornam centrais. A atual discordância entre Ortodoxos and Revisionistas tem uma (A) orígem primeiro no debate ainda não explicitado sobre o local (locus, site) das obrigações morais que envolvem a guerra, aqui, sobretudo, o jus in bellum. O Segundo debate (B) reside em decidir quais são os fatos morais relevantes que irão informar a teoria moral de forma que ela possa ser passível de compliance. Nesse segundo caso, o problema é de feasibility. Seja a abordagem Ortdoxa||Institucionalista, seja a abordagem Revisionista||Interacional ambas têm de se defrontar sobre como descrever melhor os fatos que são relavantes para a elaboração da teoria bem como modeladores da formatação de princípios morais.

Nesses pólos, o direito da guerra acaba ganhando destaque, pois é preciso decidir se devemos total obediência ao direito humanitáro da guerra (Ortodoxo||Instituionalista) ou se devemos primeiro obedecer à moralidade da guerra, em detrimento do direito (Revisionista||Interacional). Ambas as posições enfrentam desafios de ordem teórica e prática. Seth Lazar e Laura Valentini nesse artigo não pretendem dar uma resposta a todos estes pontos, sugerindo apenas quanto à questão da feasibilty que se empreguem os instrumentos da Teoria da Decisão Racional. 

O texto nos coloca a mensagem de que a Ética da Guerra Justa não pode mais desconsiderar questões de "segunda-ordem". Porém, se Seth Lazar e Laura Valentini pontuaram bem a questão sobre como o locus (site) das obrigações morais influencia na determinação da interpretação dos princípios da guerra justa, entendo que ainda deveríamos dar um passo mais atrás nos seguintes níveis:

(A) O local das obrigações morais (Instituições ou Interações) depende também da concepção de Justiça que se tenha. Por isso as teorias da justiça contemporâneas deveriam ser levadas em consideração na elaboração||interpretação||aplicação dos princípios da guerra justa.

(B) Não apenas a definição do locus deveria ser levado em conta, mas, como teórico crítico, entendo que os dois campos deveriam ser reconciliados reconstrutivamente de forma a dar tratamento crítico à Guerra Justa. Alguns pontos deveriam ser levados em consideração nesse aspecto: 

B.1 Tanto Ortodoxos||Revisionistas ainda trabalham tendo por foco o individualismo metodológico, limitando-se a definir a moralidade da guerra por meio da pergunta sobre como se deve dar a obediência ao direito ou à moral apenas no aspecto individual. Nesse sentido a moralidade da guerra, sua concepção de agency, responsibility, liability, etc., desconsidera que a formação de laços morais é intersubjetiva e socialmente mediada. Acredito que em Walzer isto não seja plenamente justo, pois a primeira parte de Guerras Justas e Injustas (1977) é toda dedicada para mapear a moralidade da guerra inscrita nos conteúdos semânticos das interações sociais e explicitadas sobretudo nas <reflexão||julgamento> sobre a  guerra, na esfera pública e na crítica moral. Porém, Walzer deixou estes elementos em sua teoria, se engajando analiticamente com seu horizonte de debate anglofônico;  
B.2. Se quisermos elaborar uma TGJ que apreende moralmente o fenômeno da guerra, precisamos considerar nas questões de responsabilidade, certas injusticas que não são apenas individualist-centred, mas estructural-centred. A permissibilidade da guerra, a conduta na guerra e as questões pós-guerra não deveriam desconsiderar elementos estruturais da GeoPolítica e da Economia Capitalista. Por isso precisamos religar os elementos da moralidade interna da TGJ com as questões sociais preeminentes causadoras de injustica social. 

B.3. Se a violência e o uso da força são, pelo menos do ponto de vista analítico, em alguns casos permissíveis, como tornar essa pemissibilidade do uso da forca potencialmente emancipatória. Nesse aspecto, como estudante da Teoria Crítica, sei que há uma grande dificuldade. Qual seria o parâmetro emancipatório que melhor poderia reconciliar as demandas morais da TGJ com as injusticas sociais? Liberdade Comunicativa, Reconhecimento, Justificação?

domingo, 6 de julho de 2014

domingo, 15 de junho de 2014

O argumento de Michael Walzer sobre Intervenções humanitárias

(I) Discutir Intervenções Humanitárias

Quando falamos sobre intervenções humanitárias, admitindo a possibilidade delas serem consideradas justas, basicamente formulamos as seguintes perguntas:

(1) O que é uma intervenção humanitária?
(2) Quais devem ser critérios que autorizam a intervenção humanitária?
(3) Quem ou quais devem ser os agentes envolvidos na intervenção humanitária?
(4) Quais devem ser os objetivos da intervenção humanitária?
(5) Qual ou quais devem ser os procedimentos durante uma intervenção humanitária?
(6) Como se deve encerrar uma intervenção humanitária?

As perguntas acima não tem a pretensão de encerrar os questionamentos normativos sobre o tema. Quero apenas utilizá-las como forma estruturante e didática de apresentação das posições teóricas contemporâneas sobre o tema.


A primeira que apresentarei é a posição de Michael Walzer.

Sua teoria e argumentos podem ser encontrados em diversos textos, mas, basicamente, utilizarei apenas dois dadas as perguntas acimas. O primeiro é o clássico Guerras Justas e Injustas (1977) - (GJI) e o segundo é The Argument about Humanitarian Intervention - (AHI). Mesmo que tenha ocorrido acréscimos ou revisões, esses dois textos contém o núcleo da argumentação de Michael Walzer.

As Intervenções humanitárias constituem uma modalidade específica de guerra e estão dentro do quadro mais amplo da teoria de Walzer sobre guerras justas e injustas. Não vou reconstruir todos os elementos da teoria de Walzer, mas, um breve resumo dela é necessário para entender o caso das Intervenções humanitárias.

Walzer argumenta que no mundo político os indivíduos se associam por meios de processos espontâneos de socialização por meio dos quais são compartilhado valores, objetivos, desejos e vontades. Nesses processos de socialização os indivíduos vão formando suas subjetividades ao mesmo tempo em que a comunidade passa a ser o espaço coletivo em que podem ser afirmados, construídos e reconstruídos, os acordos sobre que bases institucionais, políticas, culturais os indivíduos Irão exercer seus dois direitos básicos e fundamentais: a. direito à vida e b. direito à liberdade.

No domínio do mundo político esses dois direitos passam a ser concretizados na comunidade social que estabelece o Estado como o instrumento de representação política dos valores culturais, históricos e sociais da comunidade. O Estado mantém a fidelidade política dos seus cidadãos e comunidade à medida em que representa os interesses vitais destes. A obediência é mantida à medida em que a agência estatal mantém esses laços de representatividade.

Quando a imagem é ampliada e se passa a olhar para as relações internacionais, o direito à liberdade e vida se traduzem nos direitos à independência política e integridade territorial respectivamente. A independência política tem sua face interna e externa. Internamente ela é o direito que cada comunidade tem de estabelecer suas próprias organizações políticas em conformidade com a sua própria vontade. Externamente a independência política é o direito que cada comunidade tem de estabelecer seus padrões, direitos e organizações políticas sem a interferência externa de qualquer outra comunidade. 

Já o direito á vida é traduzido no direito à integridade territorial, pois o espaço físico em que as relações de compartilhamento cultural são desenvolvidos representam para Walzer um elemento vital para existência da comunidades. Independência política e integridade territorial são direitos que possibilitam a própria existência da comunidade. Uma vez violados poem em risco a vida da comunidade.

Na sociedade internacional, local em que as comunidades se encontram e se relacionam para Walzer, está estruturado um sistema em que esses dois princípios estabelecem a igualdade entre os Estados. Ameaça-los é ameaçar a paz e estabilidade internacional. Nesse sentido, o princípio da não intervenção, o principio da proibição das guerras de agressão, dentre outros são vitais para a existência da comunidades.

Por último, é importante dizer, quando há uma agressão a alguns dos direitos e princípios acima, a comunidade tem o direito de resistir contra a agressão. É permissível que ela trave guerra contra o agressor, é justo que ela utilize a forca para defender seus interesses vitais.  

Claro que esta é uma hiper-simplificação. Walzer não pode ser confundido com alguma espécie de visão substancialista de comunidade que se afirma na arena internacional sem restrição alguma quando quer defender seus interesses. Não cabe aqui nesse post, mas é preciso alertar o leitor. Para mim, Walzer é um liberal com fortes matizes republicanas, com uma teoria deontológica sobre a Guerra, cuja fonte de normas é a Opinião Publica, os Sentimentos Morais, a Critica Moral e o Direito. Todas essas são afirmações fortes que demandariam um post por si só. Mas, qualquer compreensão que não leve em conta esses  elementos irá ser obscura e míope.

Apenas para reafirmar que Walzer é um membro da tradição liberal devo afirmar ao leitor que: (a) Walzer se apoia fortemente em John Stuart Mill quanto á que frame político deve orientar as interações na sociedade internacional; (b) Walzer é um defensor dos direitos individuais como núcleo estruturante de sua teoria; (c) Walzer é comprometido com o pluralismo de visões de mundo.


(II) Respondendo às questões

Vou aos pontos acima listados.

(a) Para Walzer Intervenções humanitárias são: 

(a.1) intervenção porque se trata de uma ação que, aparentemente, o principio da não intervenção será violado contrariando, assim, aparentemente, o direito que cada comunidade tem de se autodeterminar; 

(a.2) humanitária porque o objetivo dessa ação aparentemente contrária ao direito da comunidade que sofre a intervenção tem objetivos que são ligados aos sujeitos, pessoas, indivíduos das comunidades e não a disputa por poder ou riqueza. Então, posso dizer, provisoriamente, que estamos tratando de um ação que ocorre em contrariedade ao principio da não intervenção tendo como objetivos alguma especie de interesse nos indivíduos que pertence à comunidade que sofre a intervenção. Também posso dizer, que aqui estamos tratando de uma ação militar concreta, real que irá, em algum sentido, contrariar os direitos políticos à autodeterminação ou integridade territorial.


(b) Quando as intervenções podem ocorrer?

As intervenções podem ocorrer todas as vezes em que um regime rompe com os laços políticos com a comunidade e a ataca de maneira tao gravosa que: (b.1) poe a existência da comunidade em risco;  (b.2) a torna incapaz de exercer seu direito de resistência e (b3) "choca" a consciência moral dos seus vizinhos.

Em Walzer quando as autoridades ameaçam a vida de sua comunidade ou de minorias, dissidências politicas, etc., tais autoridades estão ameaçando o direito à vida e a liberdade que toda comunidade e individuo possui. A sociedade internacional não pode aceitar tal violação, por isso, deve intervir. A necessidade de intervenção se torna evidente quando a comunidade ameaçada não consegue mais se autodefender, seu direito de resistência está bloqueado, assim como quando uma comunidade se solidariza com a agressão gravosa ao ponto de mobilizar seus recursos militares para agir.  

Na teoria da agressão desenhada em Guerras Justas e Injustas não estava desenvolvido o cenário pós-guerra fria, portanto Walzer não desenvolveu uma argumentação levando em conta a pergunta se as Intervenções poderiam ser executadas quando tais violações a esses direitos acima (direitos morais) poderiam ser desferidas quando violações aos direitos humanos, previstos na DUDH-1948 e tratados posteriores tivesse ocorrido. 

Foi no texto O Argumento sobre intervenções humanitárias que Walzer reconfirmou a posição da Teoria da Agressão no vocabulário da discussão sobre quais direitos humanos autorizariam ou não a intervenção. Walzer defendeu que apenas o direito à vida e à liberdade numa expressão minimalista poderiam ser causa para a intervenção. Isto é apenas quando a vida e as liberdades básicas das comunidades estivesse em risco é que poderia ser autorizada a intervenção. Essa ameaça se caracteriza pelo genocídio, assassinato, expulsão, massacre, deportação, maus-tratos, impor condições degradantes de vida, etc. 

No debate sobre quais direitos humanos autorizariam as Intervenções, apenas uma lista minimalista estruturada basicamente nos direitos à vida é que poderiam ser causa para a intervenção. Mas, por que uma lista minimalista? Em primeiro lugar, argumenta Walzer, a lista minimalista é a que é capaz de ser amplamente aceita pela sociedade internacional sem divergências ou oposições. Trata-se de um núcleo minimo que não poderia ser questionado. Aparentemente poderia ser dito que tal razão é meramente pragmática, mas ela tem seu fundo normativo, pois os direitos de proteção à vida são aqueles que passam pelo teste da aceitabilidade universal. Numa sociedade internacional tao dividida culturalmente, a proteção à vida é o elemento comum que todas as culturas são capazes de aceitar racionalmente.   

Um segundo argumento normativo é que que a versão minimalista protege a sociedade internacional contra a possibilidade de Intervenções que violassem os valores e culturas comuns dos seus Estados membros em nome de direitos humanos que estão ligados muito mais à uma determinada cultura politica. 

Walzer entende, seguindo John Stuart Mill, que autodeterminação não pode ser confundida com liberdade política. Para Walzer e Mill, um povo pode ser autodeterminado nem necessariamente possuir internamente uma organização política liberal ou democrática.  Cada comunidade tem o direito de buscar sua própria configuração politica interna e qualquer interferência nesse direito seria uma violação da autodeterminação.
Walzer, se apoiando em Mill, defende que os Estados da sociedade internacional não podem impor uns aos outros uma determinada configuração política. O liberalismo exigiria na sociedade internacional uma atitude de abstenção e não interferência nas lutas internas de cada Estado. Por isso uma lista minimalista seria a configuração adequada tanto ao que os Estados membros da sociedade internacional poderiam endossar quanto àquilo que eles não querem que violem sua autodeterminação. 

 Assim, as Intervenções estão autorizadas quando houverem violações aos direitos humanos de proteção à vida. Essas violações não podem ser "algumas" violações, mas violações massivas que poem em risco à vida de um grupo ou comunidade ao ponto de lhe impossibilitar o direitos de resistência e chocar a consciência moral da comunidade. 


(c) Quem é o agente encarregado para intervir?

Talvez essa umas das questões mais importantes hoje debatidas. Não quero afirmar aqui que o debate sobre quais direitos humanos autorizariam a intervenção já está concluindo, mas quando a pergunta acima ocorre abre-se uma discussão sobre quem é o agente autorizado à agir na intervenção. Nesse ponto aparecem as questões sobre politica internacional como a critica de que as Intervenções seriam instrumento do ocidente imperialista ou que seriam apenas acoes oportunistas com outros fins de razão de Estado.

Walzer analisa a pergunta acima do ponto moral. Quem é o obrigado moralmente a agir executando a intervenção?

Na Teoria da Agressão a intervenção humanitária tem a natureza de um resgate (salvamento). Enquanto tal o que importa é salvar imediatamente a vítima da situação gravosa que poe sua vida em risco. A imagem trabalha com as seguintes premissas

(i) Imagine que uma casa está pegando fogo e existem pessoas que precisam ser regatadas.
(ii) Imagine que um vizinho conhece a situação de emergência.
(iii) Se ele puder agir, por que nós acharíamos que ele esta agindo errado?
(iv) Faz sentido esperar, diante da emergência, a autoridade competente, caso o vizinho ou alguém capacitado pode agir?
(v) Faz sentido diante da necessidade de salvamento deliberar ou atrasar a ação por que não se decidiu quando agir?

Com base nessa imagem, para Walzer, todos os Estados tem o dever de intervir para salvar a vítima. O problema é que essa resposta ainda não cria um critério determinado para a executar a intervenção.

Duas questões são importantes aqui: (c.1) A ação deve ser coletiva ou unilateral? (c.2) Quais são os melhores critérios para apontar o responsável para agir?

(c.1) Walzer não entende que é a ação coletiva tem um valor moral maior do que a ação unilateral de um ou grupo de Estados. Segundo argumenta em AHI, tanto na ação unilateral quanto na ação coletiva estão sujeitas às vicissitudes da política, pois questões envolvendo os interesses dos Estados podem ocorrer e ser relevantes tanto no espaço de decisão coletiva quanto no espaço de decisão unilateral. De fato, argumenta, no espaço coletivo a situação é ainda pior, pois a dificuldade de conciliar interesses dos Estados é ampliada quanto mais Estados estejam debatendo. Nesse quadro, dada a natureza do salvamento-resgate da intervenção é como se estivéssemos diante de um incêndio deliberando quem vai entrar para salvar a vida das vítimas. 

Para Walzer seria desejável que a ação fosse tomada coletivamente, mas, dada a ausência de instituições que consigam deliberar e agir em tempo hábil, nada impede, do ponto de vista moral, que a ação unilateral, prática histórica da sociedade internacional, possa ocorrer. A analogia com o salvamento, imagem criada para tornar explícita as intuições básicas que temos em relação à intervenção, pouco importa se é um agente coletivo ou individual que opera o resgate. O que importa é o que resgate seja feito em tempo hábil no interesse da vítima. 

Nessa imagem, as organizações coletivas atuais tem agido de maneira bastante contrária ao problema moral. Isso porque tanto tem negligenciado a necessidade de resgate, situações em que não operam a intervenção, quanto tem sido pouco diligentes em tempo hábil em agir, situações em o debate sobre quando e como intervir tomam uma dimensão que retarda a operação do resgate.  

Portanto, para Walzer, nada torna a ação unilateral moralmente menos válida do que a ação coletiva. Pelo contrário, dada a natureza de salvamento, se o agente que está diante da crise conhecer a crise e puder agir, deve fazê-lo o quanto antes. 

(c.2). A natureza da intervenção nos leva ao segundo ponto: quais critério podem ser mais exatos na hora de determinar o agente? Com base na analogia com o salvamento e com exemplos históricos dois são os critérios apontados por Walzer: (a) Relações de vizinhança e (b) Melhor capacitado para agir.

Walzer argumenta que historicamente as Intervenções melhor executadas e bem sucedidas foram as executadas unilateralmente por Estados vizinhos dos Estados em crise. Bangladesh 1971 e Camboja (1978-79). A imagem do salvamento, resgate diante de um caso extremo, reforça a compreensão sobre porque um agente vizinho seria o mais habilitado a agir, pois, nesta imagem, a prontidão e a velocidade de reação são importantes para o resgate. Mas, aqui, quero reforçar um um outro aspecto do porque o Agente Vizinho é um dos mais habilitados. 

O Agente Vizinho não é o mais autorizado apenas por conta da questão moral de agir em tempo hábil. Há em Walzer um argumento epistêmico, isto é, quem conhece melhor a situação e pode com isso tomar as melhores providencias para o resgate. Segundo Walzer apenas os sujeitos que compartilham praticas sociais podem saber quais questão são moralmente relevantes para eles. 

Quando Walzer argumenta contra a intervenção com fins de mudança de regime politico, sustenta que além do direito à autodeterminação, um agente externo não pode intervir porque ele desconhece quais são as praticas comuns compartilhadas e, portanto, não pode apenas apresentar um novo regime porque viola a independência da comunidade que sofre a intervenção, mas, porque ele desconhece a realidade social e política do Estado que sofre a intervenção. A sua ação será desenvolvida no escuro. 

Dessa feita, quando Walzer defende o Agente Vizinho ele não está apenas defendendo a importância moral de agir em tempo hábil, mas defendendo que a ação do Agente Vizinho é epistêmicamente melhor informado e portanto capaz de compreender melhor a importância do salvamento. Tanto porque ele pode conhecer melhora situação da comunidade dada as relações que já desenvolve com ela quanto pelo fato de que ele é diretamente interessado na solução do problema, pois pode ser afetado por ela.  

Quanto ao segundo critério, Melhor capacidade para agir. Aqui a imagem do salvamento também é importante. Segundo Walzer, quem for o agente que estiver em melhor capacidade para agir deve fazê-lo. Tendo os instrumentos e a disponibilidade, não agir é moralmente condenável. 

Um ponto que existia em 77, mas que não aparece no texto de 2002 de maneira exaustiva, é saber se há possibilidade dos agentes se negarem a intervir. Se há um direito de intervir ou uma obrigação de intervir. Para Walzer, a possibilidade de liberar os Estados da intervenção é se a ação colocar em risco a existência do interventor ou a existência pacifica dos Estados no cenário da sociedade internacional. Assim, se a intervenção colocar a vida do agente em risco, não é exigível dele a intervenção. Também, se a intervenção colocar em risco a paz e a vida dos membros da sociedade internacional não seria moralmente exigível. 

Embora Walzer apresente essas razoes para a não incidência do obrigação de intervir, ele acredita que nas circunstancia atuais as violações massivas de direitos humanos tem ocorrido em Estados falidos, Estados desintegrados ou com poder militar e econômico sem capacidade de ameaçar a vida da sociedade internacional. Para ele não haveria então excusa para não intervir. 


(d) Quais devem ser os objetivos da intervenção humanitária?

Essa pergunta também é respondida com a imagem do salvamento. Dada a natureza de resgate, o objetivo da intervenção deve ser apenas o salvamento das comunidades e ou populações em risco. 

A questão mais problemática nesse tópico é perguntar: "se a intervenção tiver outros objetivos além do salvamento, ainda assim ela poderá ser considerada como humanitária?". Quando esta pergunta é feita entra na argumentação questões sobre o critério da intenção correta. O critério da intenção correta, elemento normativo da Teoria da Guerra Justa, exige que qualquer guerra para ser considerada justa deve não apenas ter um fundamento justo (justa causa) como os motivos (intentions) do agente que vai a guerra devem ser justos. Por que me envolvo com a guerra deve ser correto também. Esse é o campo dos motivos que impulsionam um agente à guerra. 

Por exemplo. Imagine que um determinado estado X está com uma crise humanitária, sendo uma de suas populações minoritárias A sistematicamente agredida, nos termos aqui já tratados: ação sistemática, violenta, advinda das autoridades e sem chance de resistência. Um Estado Y pode promover a intervenção nesse caso. Mas, ao mesmo tempo em que promove a intervenção, o Estado Y que aumentar suas reservas de petróleo, sendo interessante intervir porque o Estado X tem se negado a negociar com Y. O Estado Y intervem e ainda por cima consegue melhorar sue acesso ao petróleo de X. Como nesse caso o Estado Y não tinha intenções "justas", pois ele se utilizou da ação interventiva para tratar de um interesse particular seu, a teoria da guerra justa  que toma o critério da intenção correta diria que a intervenção foi injusta. 

Embora Walzer esteja dentro da tradição da teoria da guerra justa, ele não entende que o critério da intenção correta é um elemento que deve contar no julgamento da permissibilidade, justiça e legitimidade da intervenção humanitária. Uma intervenção humanitária, para Walzer, é permissível e justa independentemente das intenções do agente que lhe promove, desde que o salvamento seja realizado.

A figura do resgate na casa em chamas ajuda a entender a explicação de Walzer. Imagine uma casa em chamas com pessoas trancadas no quarto. Imagine que um dos vizinhos tem interesse em ajudar as vítimas com a intenção não revelada de num futuro próximo lhe pedir um favor. Imagine que as pessoas vítimas do incêndio tenham influencia ou alguém que interesse ao socorrista. Ele entra na casa em chamas e salva as vítimas. Se o importante é salvar a vida da vítimas em perigo, importa que as intenções do agente que salva sejam desinteressadas ou "puras"? Para Walzer, não é moralmente relevante avaliar quais são as intenções do agente, o importante é o resgate. 

Se a intervenção cumprir o objetivo de salvamento, todas as outras questões são secundárias. Podem ter a sua relevância, mas não influem para a decisão sobre a permissão de intervir. 


(e) Qual ou quais devem ser os procedimentos durante uma intervenção?

Dificilmente alguma teoria conseguiria esgotar a possível lista de critérios normativos capazes de delimitar todos os procedimentos que ocorrem durante uma intervenção humanitária. Walzer apresenta os seguintes critérios.

Primeiro a intervenção deve seguir a regra quick-out. Por ser uma excepcionalidade, dadas as circunstancias, o agente interventor deve ser o mais ágil em operar o resgate e imediatamente retirar-se do ambiente que sofre a intervenção. 

Durante o processo de intervenção, a vida de civis não deve ser ameaçada para além daquilo que não se poderia prever. Walzer entende que civis não devem sofrer danos, pois não ameaçaram nem são responsáveis pelo combate, portanto não se colocam em posição de terem suas vidas ameaçadas. 

As estratégias de combate não devem ser executadas para poupar a vida de tropas ao mesmo tempo em que retarda a obtenção do objetivo da intervenção, o resgate. A questão aqui é utilizar de estratégias como bombardeios, ataques indiretos, ataques cirúrgicos, que afetam a vida do agente que promove a grave agressão, com intuito de evitar o combate direto, poupando a vida de soldados, mas, ao mesmo tempo, permitem a continuidade da matança por um tempo maior do que um combate direto poderia evitar. Não é justo, segundo Walzer, que para evitar mortes de soldados civis continuem a ser massacrados por um tempo maior. 

A figura do salvamento é bem marcante e influencia no raciocínio moral defendido por Walzer. A cada momento que o cálculo prudencial é feito ou que se visa poupar a vida de resgatadores em detrimento do sujeito que precisa ser salvo, se está permitindo que as vítimas continuem a sofrer com a grave violação. 


(f) Como se deve encerrar as Intervenções humanitárias

As Intervenções devem se encerrar tao logo o salvamento tenha ocorrido. A regra quick-out deve ser sempre o guia da intervenção. Porém, existem algumas possibilidades e circunstancias em que a saída das tropas interventoras não é possível. Nesses casos, a manutenção da intervenção pode representar a garantia de que novos massacres não ocorram. Três situações são esboçadas por Walzer.

(a) Situações em que o massacre foi tão violento que destruiu as mais básicas instituições e recursos humanos. Nesse caso, uma saída precipitada pode trazer  risco de novos massacres dada a perda de instituições capazes de assegurar a ordem e a paz.

(b) Casos em que a saída do agente interventor pode representar o retorno dos agentes assassinos. 

(c)  Estados desintegrados que não exista um controle capaz de exercer a proteção dos povos massacrados dado que as próprias violações são executadas por agentes não estatais. 

Nesses três casos, dado que a intervenção representa uma operação de salvamento, sair rapidamente pode significar o retorno das violações massivas. 


(III) Alguns pontos para futuras discussões

A primeira consideração que tenho a fazer na argumentação de Walzer é a figura utilizada por ele do salvamento. Walzer enfatiza muito o elemento da emergência e isso faz com que outras considerações sobre a justica das intervenções fiquem apagadas. Peguemos o exemplo do incêndio.

  • "Um casa pega fogo, sei que pessoas estao lá morrendo, trata-se de uma emergência. Não exito em ajudar. Entro e salvo a vida das pessoas".

Se formos julgar a ação do sujeito que decide fazer o salvamento não seria plausível achar que ele fez algo errado. Nós o apoiaríamos. Mas a discussão acerca da justiça da situação não se encerraria nesse ponto. Nós perguntaríamos onde estão as autoridades competentes que deveriam estar de prontidão para o salvamento, bem como deveriam estar agindo preventivamente para evitar problemas como incêndios. A imagem que Walzer transmite é de um cenário em que as instituições sempre serão inábeis e lentas. Se na realidade elas o são, isso nao elimina o dever que elas teriam de agir em tempo hábil e, mais importante, preventivamente. 

Intuitivamente, entendo, nós não achamos errado um agente não oficial agir, mas intuitivamente nós também queremos que os responsáveis pelo salvamento sejam as autoridades que nós elegemos para isso. No cenário internacional nós temos essas autoridades. A ONU tem essa responsbilidade dada pelos tratados que a Sociedade Internacional celebrou em sua constituição. Do ponto de vista moral, podemos dizer que o salvamento feito por um agente não oficial pode ser correto, mas não é mais correto do que o salvamento por parte daquelas autoridades que nós elegemos. Assim, podemos aceitar o salvamento pelo agente unilateral como uma execeção, mas, não como uma regra como quer Walzer.

Entendo que Walzer enfatiza muito a questão da urgência, sua defesa das vítimas é importante, mas isso não anula os nossos juízos mais refletidos sobre o tema. Quando o fogo passa, queremos saber porque aqueles que têm a obrigação primária de agir foram omissos e lentos. Se não fosse assim, porque as autoridades buscariam cada vez mais a eficiência e a prevenção em nome da proteção de seus cidadãos.

Bom, isso nos levaria ao seguinte ponto. Walzer está trabalhando com o cenário da inoperância das instituições internacionais. Primeiro a inoperância das istituições internacionais não deve ser um elemento que define a natureza de um dever como o resgate de uma comunidade que se encontra em risco. Se o dever não for estabelecido num cenário em que exigimos o máximo e o certo do ponto de vista moral, como poderemos criticar e modificar as instituições atuais. Em segundo plano, não existe do ponto de vista prático como entender a inoperância como uma forma legítima de ação dos Estados. 

Contudo quero observar aqui que as relações internacionais assumidas por Walzer poderiam muito mais ser enquadradas num cenário ou época da guerra fria. Walzer é demasiado estatista e concebe as relacoes internacionais num sentido que entendo ser também minimalista. Os Estados são unidades separadas e estanques em que suas decisões ainda podem ser tomadas sem consideração as relações de interdependência que a globalização nos trouxe. Quando Walzer escreve sobre a sociedade internacional ele defende um pluralismo de instituições responsáveis pelos avanços das liberdades. Mas, sempre, o principal agente é o Estado. Ele ainda é o detentor da soberania. Isso eu ainda tenho que analisar nele. Mas, a impressção que tenho é a de que Walzer não atualizou sua fotografia do mundo depois da Guerra Fria. 

Outras questões podem ser levantadas....mas deixo para um próximo post.

Auf wiederlesen!




quinta-feira, 12 de junho de 2014

A estrutura dilemática das intervencoes humanitárias

Martin Frank. The Dilemmatic Structure of Humanitarian Interventions. IN Georg Meggle (ed.) Ethics of Humanitarian Interventions. Ontos Verlag, Frankfurt 2014, p. 97-113.


Um grande problema para todo estudante do tema Intervencoes Humanitárias - (I.H.) é ter de lidar com um amplo espectro teórico geralmente organizado em pelo menos tres  grandes areas de estudo: 1. a Política; 2. a Moral; e 3. Legal. Existem estudiosos que analisam o tema prioritariamente a partir de suas areas de formacao, considerando secundariamente as demais areas, pois dificilmente se consegue ignorar as demais areas. Existem estudiosos que procuram apensa formular suas posicoes a partir de sua formacao. Por exemplo, se preocupam apenas com a formulacao de um argumento moral sobre a permissibilidade das intervencoes, ou analisam a estrita legalidade das intervencoes. Por último, existem estudiosos que tentam formular teorias e argumentos que procuram dar uma resposta moral, jurídica e politica ao tema. A ordem e peso dada a cada uma dessas areas depende muito da pergunta que se está fazendo sobre o tema.

Esta semana, cumprindo a agenda de estudos em torno do tema, li o texto de Martin Frank (referencia acima) cuja proposta central é afirmar que o tema (caso) das (I.H.) é estruturado de forma dilemática. O que quer dizer isso?

Segundo Martin Frank, um dilema é uma situacao de escolha entre dois principios que sao igualmente relevantes cujo resultado nao pode ignorar nenhum dos lados. Dilemas sao casos especiais de conflitos que requerem uma solucao entre duas opcoes contraditorias igualmente más (p.103). Mas por que podemos considerar as (I.H.) dilemas?

Para responder a essa questao, Martin Frank retoma o conceito de (I.H.) a partir da definicao assumida desde a formacao do Sistema de Potencias - (S.P.) (Westphalia - 1648) (p.100), características sao abaixos descritas (p. 101):

(i) Prioritariamente é preocupado com a soberania externa das comunidades políticas. Assume o conceito de independencia política e se pergunta sobre a possibilidade de coexistencia plural de Estados independentes no cenário internacional.
(ii) O que sustenta a coexistencia é o mútuo respeito à soberania dos Estados.
(iii) O mútuo respeito implica o reconhecimento da igualdade entre os Estados dentro de (S.P.). Dado que os Estados sao diferentes em poder, economia, prestígio, capacidade militar, a igualdade é assegurada por meio do direito que subscreve o mesmo status legal aos Estados membros de (S.P.).
(iv) O mútuo respeito implica no dever de nao-interferencia nos assuntos internos de cada Estado membro de (S.P.).
(v) A igualdade de condicoes, igualdade de status juridico entre os Estados, implica que (S.P.) é um sistema anárquico e nao anomico.

Uma vez que (S.P.) tem essas caraceterísticas é que se pode falar do conceito de (I.H.). Se (S.P.) nao existisse, nao faria sentido (I.H.): 

"se nao há pluralidade Estados soberanos iguais nao haveriam casos de intervencoes humanitarias. Nao é que atrocidades humanitarias nao possam ocorrer, pelo contrario elas provavelmente sempre ocorrerao. Mas, intervencao só pode surgir como conceito se houverem Estados que possam resistir à ela sob os fundamentos da autonomia e da soberania".

O dilema surge porque, dadas as características de (S.P.), (I.H.) nos posiciona diante da escolha de pelo menos dois princípios de (S.P.). Tais princípios sao igualmente válidos. Possuem forca normativa igual, pois ambos sao capazes de guiar a acao. O agente racional que escolherá sabe que tem de escolher um dos principios, mas que tal escolha implicará na violacao de um dos principios que ele considera como importate e constitutivo do sistema que participa. Diante desse quadro, tal escolha se dá com a certeza de a decisao a ser tomada tem de justificar com uma razao suficiente porque um dos princípios de (S.P.) será afastado para dar aplicacao ao outro.

A escolha entre dos princípios é a escolha entre duas opcoes igualmente más porque um dos principios que o agente racional escolherá afastará o outro que ele entende como fundamental para o sistema que pertence. (I.H.) nos posiciona diante da tomada de decisao entre:

(a) No plano político: o agente tem de escolher entre (S) soberania estatal x (ID) deveres internacionais.
(b) No plano legal: o agente tem escolher entre (NI) proibicao da intervencao x (DH) normas de direitos humanos.
(c) No plano moral: o agente tem de escolher entre (AD) autodeterminacao dos povos x (DM) direitos morais individuais dos seres humanos.

Dada a inevitabilidade de escolher entre os princípios acima a discussao sobre (IH) pode ser oganizada conforme o gráfico abaixo:

(I)                                  (II)                           (III)                          (IV)                       (V)
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Estatismo                     excecao                         direito                       dever             Política Interna Mundia


 <----------------------------------------------------------------->
Intervalo D
                                  
Direitos de Soberania  <<<<<<<>>>>>>Direitos Humanos
                           
No polo mais à esquerda (I) temos uma defesa do Sistema de Potencias, polo em que a soberania estatal é o elemento de maior peso. Nesse polo, a intervencao é proibida. As intervencoes nao representam nada mais do que o exercício do poder dos Estados mais fortes na execucao de suas próprias políticas.

Ao passo em que a soberania estatal vai tendo seu peso gradativamente diminuido a escala ira conduzir à novas consideracoes sobre (IH). A posicao (II) entende que as intervencoes sao proibidas, mas, em alguns casos, ela pode ser uma excecao à ordem de (SP). Já nao se trata apenas do exercício das razoes de Estado, do poder puro explícito de um Estado, mas da possibilidade de alguns direitos já serem objeto de apreciacao dos membros de (SP). Algumas exececoes já podem ser aceitas como normas que regulam as relacoes de (SP). A análise das internvencoes já passa a ser orientada por um discurso de direitos.

(III) Posicao que nao se decide pela posicao mais defensiva da soberania estatal ou mais ativa da liberalizacao da intervencao. Comparada com (II) entende que as (IH) sao um pouco mais do que excecoes dentro de (SP), sendo mais vezes moralmente justificadas. Difere de (II) porque as (IH) nao sao excecoes ao sistema, mas, regras que compoe o sistema. Em (II) as razoes que possibilitam as (IH) vem de fora de (SP), sao razoes morais que constragem as razoes do (SP). Mas, em (III) as intervencoes podem ser legítimas se consideramos os próprios direitos de soberania dos Estados.    

(IV) Coloca os direitos humanos acima dos direitos estatais dos membros de (SP), devendo as intervencoes serem sempre utilizadas para por fim à violacoes de direitos humanos. Considera tal responsabilidade coletiva e um dever internacional. Os deveres humanitários sao a prioridade. Os direitos estatais dos membros de (SP) nao entram mais nas consideracoes sobre a justificacao da permissao para intervir ou nao, restringindo-se apenas à consideracoes sobre os limites da execucao da intervencao, isto é, da melhor maneira de realizá-la: diminuir danos, eficácia, tempo da intervencao, questoes operacionais, etc.

Em (V) temos a total desconsideracao para a soberania estatal. Tal desconsideracao nao se restringe apenas à derrogar, afastar ou nao considerar, mas, sim, em extinguir (SP). Em uma nova ordem global, a soberania estatal nao é mais um elemento costititutivo da ordem internacional. Nesse cenário as intervencoes sao acoes policiais e nao violacoes dos direitos de soberania dos Estados.

Apresentada a estrutura dilemática, a questao que se coloca diante do estudioso de (IH) é saber quais sao as razoes para adotar a organizacao proposta por Martin Frank? Ao mesmo tempo quais sao as vantagens em adotar essa abordagem na hora de discutir sobre (IH)? 

A primeria razao para adotar essa estrutura dilemática, argumenta MF, é afirimar que nao temos como fugir, nao há como escapar da dificil escolha entre princípios e elementos que constituem a realidade do debate sobre (IH). Seja o estudioso, político, ativista, cidadao, todos temos de levar com consideracao que existem pontos positivos e negativos entre as posicoes. Defender um dos extremos é sacrificar parte daquilo que nós consideramos importante. Por exemplo, o fetiche do estatismo (I), como MF define as posicoes mais à esquerda do diagrama acima, nao leva em consideracao os direitos humanos e sua relevancia para os individuos. Já os defensores da Política Interna Mundial (V) defendem uma utopia ainda nao realizada, bem como nao consideram como significativa os direitos estatais de soberania.

O segundo argumento é de que a estrutura dilemática nos ajuda a compreender os sentimentos morais ambivalentes que temos em relacao às (IH). Martin Frank entende que apesar de aceitarmos ou tolerarmos as intervencoes temos um sentimento de que elas nao sao acoes boas.

Em terceiro lugar aponta que a estrutura dilemática tem um potencial explicativo maior sobre as condicoes e limites das IH, pois leva em consideracao tanto os pontos positivos da autoderterminacao|nao-intervencao quanto os pontos positivos dos direitos humanos|intervancao. A estrutura dilemática tenta estabelecer um equilíbrio entre os direitos de soberania e direitos humanos.

Por último, defende que, mesmo que se adote (I) ou (IV) o que está em jogo quando estamos diante de (IH) é uma decisao que tem de balancear as razoes divergentes, devendo a decisao sobre (IH) ser tomada num processo que nao tente escapar da estrutura dilemática, uma vez que tal estrutura está amplamente fundada nas relacoes sociais e políticas da realidade. Isto é, ao ignorar a estrutura dilemética, estamos ignorando as restricoes e exigencias dadas pela realidade social e política. Solucoes que ignoram a estrutura dilemática nao sao capazes de serem compreendidas, aceitas e capazes de guiar a acao dos agentes. A estrutura dilemática leva em consideracao a possibilidade de oferecer razoes que podem ser consideradas pelos agentes, pois nao oferece uma resposta que ignora suas necessidades e perguntas.

***

Nao posso deixar de antecipar algumas consideracoes que me veem a mente ao escrever sobre o texto de Martin Frank. As faco aqui mais para registrar as minhas questoes, deixando-as em aberto ao mesmo tempo que estou totalmente aberto às contribuicoes dos colegas.

A primeira questao que vejo é a caracterizacao do Sistema de Potencias dado por Martin Frank. Nao consigo concordar com a interpretacao de que Westphalia estabelece uma organizacao que nao está apenas preocupada com as razoes de Estado. Historicamente, 1648 e os demais tratados que se seguiram sao uma série de pactos e tratados entre monarquias absolutistas que visavam a protecao de suas propriedades, àquela época, os países e territórios dos nascentes Estados nacionais. Descrever que SP foi estruturado de forma a estabelecer uma igualdade entre os Estados nao diz nada sobre se tal igualdade foi decidida por compreender que os Estados sao pessoas morais que precisam respeitar os limites sobre como tratar seus seus cidadaos ou comunidades.

É importante pensar nisso porque a autodeterminacao, direito que protege os povos, cidadaos, comunidades, dos Estados e lhes permite a possibilidade da independencia política passou a ser mais usadas nesses termos no período pós-colonial. A independencia política até entao, foi muito mais a ausencia de constrangimentos às razoes de Estados e nao teve, até o período pós-colonial, um sentido universalista, mas, sim, apenas negativo. A ideia era nao interferir nos assuntos externos dos Estados membros do Sistema de Potencias. Países que foram colonias, nao gozavam dessa mesma igualdade e direito à autodeterminacao.

Mas, poderia ser objetado que tal crítica nao é analítica, pois histórica, assim, nao afetaria a estrutura do que Martin Frank está argumentando. Ocorre que entender essa dinamica nos ajuda a pensar se Martin Frank separou os conceitos e os organizou de forma que as contraposicoes fossem entre conceitos de mesma classe ou espécie. Ao meu ver, pois ainda estou refletindo, nao está claro se as contraposicoes dilemáticas ocorrem entre principios que tem a mesma natureza, finalidade e justificacao.

(P.S.: peco desculpas a todos pela falta de alguns acentos e demais elementos da língua portuguesa. Tal fato se dá por eu ter comprado um netbook aqui na Alemanha, no qual ainda nao descobri como inserir o "til" e outros elementos.)