segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Notas sobre a possibilidade de uma Teoria Crítica da Moralidade da Guerra.

Algumas notas sobre a possibilidade de uma abordagem Teórico-Crítica da Teoria da Guerra Justa a partir do texto de Seth Lazar e Laura Valentini Proxy Battles in Ethics of War (draft, 30 September 2014).

* (As considerações abaixo são apenas reflexões que divido com os colegas. Como notas podem não conter toda uma explicação de todos os pontos do texto lido, bem como podem não conter todos os elementos necessários para concretizar o programa proposto de uma abordagem teórico crítica da TGJ. Divido com os colegas tanto para fomentar o debate quanto para buscar sugestões, comentários e promover o dabate da moralidade da guerra no Brasil.)


Didático, informativo e claro. Seth Lazar e Laura Valentini formatam o frame em que a Teoria da Geurra Justa deve se mover se quiser superar os impasses do seu atual estágio, segundo ele, de uma "proxy battle". Escolhem como ponto controverso e fio condutor duas de três questões fundamentais para a TGJ que se ligam ao jus in bellum (direito da guerra): a igualdade moral entre combatentes e a imunidade dos não combatentes. Esses dois pontos dividem abordagens "Ortodoxas" que entendem que os combatentes não são moralmente iguais, não podendo ser atribuída responsabilidade a um dos lados em combate, sendo lícito, para ambos lados, matar. Os combatentes teriam permissão para matar independentemente ou não da justiça de sua causa. O mais proeminente defensor desssa possição é Michal Walzer.

Do outro lado estão as abordagens "Revisionistas" que entende ser moralmente falsa a igualdade moral dos combatentes. A moralidade do combate depende da justiça da guerra sendo moralmente falso pensar que ambos os lados estão igualmente permitidos matar, pois um deles pode travar a guerra de maneira injusta. A questão da imunidade dos não combatentes segue o mesmo raciocínio. Para a abordagem Ortodoxa, o não combatente não pode ser morto porque não é responsável pela guerra, seja ela justa ou injusta, não sendo partícipe não renunciou ao seu direito à vida. Já para as abordagens Revisionistas, não se poderia falar, pelo menos, de uma absoluta inviolabilidade do não combatente, pois é plausível pensar que existam guerras em que civis não combatentes contribuem para guerra de maneira ativa e influente. Sendo um dos lados justos e outro não, em tese, o civil não combatente que contribui para uma causa injusta poderia ser responsável pela ação injusta na gurra, sendo, assim, liable to be killed

Para Seth Lazar e Laura Vallentini os dois lados se encontram em uma proxy battle. Pesquisando o termo proxy battle encontrei a seguinte explicação. Imagine que existe uma empresa e que seus acionistas querem que ela tome posição x ou y, mas, seus administradores, gerentes, executivos, etc., não desejam a mesma coisa. A proxy battle passa a ser uma série de rodadas adversariais em que os acionistas irão tentar fazer com que a empresa que eles controlam, mas não administram, passe a atuar em conformidade com a sua vontade e não com a dos executivos. No caso da TGJ o que temos é um cenário em que dois grupos tentam controlar os rumos da TGJ. Cada um com seus startpoints, mas sem dialogar. Como essa descrição da TGJ entendo que Seth Lazar e Laura Valentini querem: i. ao mesmo tempo explicitar quais são as divergências de fundo que levam à proxy battle  quanto ii. colocar as partes na mesa para dialogar e resolver os problemas de fundo da TGJ que infuenciam nas divergências sobre os princípios acima. Seth Lazar e Laura Valentini estão preocupados, entendo, com os rumos cognitivos da TGJ. Se o campo quiser avançar as divergências de fundo precisam ser explicitadas de forma que um novo round de estudos se estabeleça. Nesse aspecto, Seth Lazar e Laura Valentini estariam nos dizendo que o "esgotamento" da TGJ no debate atual estaria fadado à esterilidade a menos que ela passe a considerar os start points de seus propositores?

Duas questões então se tornam centrais. A atual discordância entre Ortodoxos and Revisionistas tem uma (A) orígem primeiro no debate ainda não explicitado sobre o local (locus, site) das obrigações morais que envolvem a guerra, aqui, sobretudo, o jus in bellum. O Segundo debate (B) reside em decidir quais são os fatos morais relevantes que irão informar a teoria moral de forma que ela possa ser passível de compliance. Nesse segundo caso, o problema é de feasibility. Seja a abordagem Ortdoxa||Institucionalista, seja a abordagem Revisionista||Interacional ambas têm de se defrontar sobre como descrever melhor os fatos que são relavantes para a elaboração da teoria bem como modeladores da formatação de princípios morais.

Nesses pólos, o direito da guerra acaba ganhando destaque, pois é preciso decidir se devemos total obediência ao direito humanitáro da guerra (Ortodoxo||Instituionalista) ou se devemos primeiro obedecer à moralidade da guerra, em detrimento do direito (Revisionista||Interacional). Ambas as posições enfrentam desafios de ordem teórica e prática. Seth Lazar e Laura Valentini nesse artigo não pretendem dar uma resposta a todos estes pontos, sugerindo apenas quanto à questão da feasibilty que se empreguem os instrumentos da Teoria da Decisão Racional. 

O texto nos coloca a mensagem de que a Ética da Guerra Justa não pode mais desconsiderar questões de "segunda-ordem". Porém, se Seth Lazar e Laura Valentini pontuaram bem a questão sobre como o locus (site) das obrigações morais influencia na determinação da interpretação dos princípios da guerra justa, entendo que ainda deveríamos dar um passo mais atrás nos seguintes níveis:

(A) O local das obrigações morais (Instituições ou Interações) depende também da concepção de Justiça que se tenha. Por isso as teorias da justiça contemporâneas deveriam ser levadas em consideração na elaboração||interpretação||aplicação dos princípios da guerra justa.

(B) Não apenas a definição do locus deveria ser levado em conta, mas, como teórico crítico, entendo que os dois campos deveriam ser reconciliados reconstrutivamente de forma a dar tratamento crítico à Guerra Justa. Alguns pontos deveriam ser levados em consideração nesse aspecto: 

B.1 Tanto Ortodoxos||Revisionistas ainda trabalham tendo por foco o individualismo metodológico, limitando-se a definir a moralidade da guerra por meio da pergunta sobre como se deve dar a obediência ao direito ou à moral apenas no aspecto individual. Nesse sentido a moralidade da guerra, sua concepção de agency, responsibility, liability, etc., desconsidera que a formação de laços morais é intersubjetiva e socialmente mediada. Acredito que em Walzer isto não seja plenamente justo, pois a primeira parte de Guerras Justas e Injustas (1977) é toda dedicada para mapear a moralidade da guerra inscrita nos conteúdos semânticos das interações sociais e explicitadas sobretudo nas <reflexão||julgamento> sobre a  guerra, na esfera pública e na crítica moral. Porém, Walzer deixou estes elementos em sua teoria, se engajando analiticamente com seu horizonte de debate anglofônico;  
B.2. Se quisermos elaborar uma TGJ que apreende moralmente o fenômeno da guerra, precisamos considerar nas questões de responsabilidade, certas injusticas que não são apenas individualist-centred, mas estructural-centred. A permissibilidade da guerra, a conduta na guerra e as questões pós-guerra não deveriam desconsiderar elementos estruturais da GeoPolítica e da Economia Capitalista. Por isso precisamos religar os elementos da moralidade interna da TGJ com as questões sociais preeminentes causadoras de injustica social. 

B.3. Se a violência e o uso da força são, pelo menos do ponto de vista analítico, em alguns casos permissíveis, como tornar essa pemissibilidade do uso da forca potencialmente emancipatória. Nesse aspecto, como estudante da Teoria Crítica, sei que há uma grande dificuldade. Qual seria o parâmetro emancipatório que melhor poderia reconciliar as demandas morais da TGJ com as injusticas sociais? Liberdade Comunicativa, Reconhecimento, Justificação?